Um rastafari brasileiro, ativista da ANANDA – Ativistas, Redutores de Danos e Pesquisadores Associados, foi preso e agredido por portar uma pequena quantidade de sua erva Sagrada. Leia abaixo o relato:
A Brazilian Rastafari, from ANANDA – Activists,
Harm Reduction and Research, was arrested and
attacked by carrying a small amount of their Sacred herb. Read the story below:
Por Luísa Saad, Robson Freitas, Laura Santos e Sergio Vidal, da Central de Informações ANANDA (CIA)
Um dos integrantes da ANANDA, Robson Freitas, estudante de Direito e membro da União Rastafari da Bahia, vem passando por um processo muito delicado em sua vida. Tomamos conhecimento dessa sua história. Abaixo está um trecho relatado por ele , e mais abaixo, algumas considerações pertinentes sobre o caso. Robson conta com aconselhamento de um advogado no momento, mas se alguém se interessar em ajudar no caso será muito bem vindo:
“Numa terça-feira, dia 13 de janeiro de 2009, depois de um dia de trabalho, eu, Robson Freitas, cidadão brasileiro e funcionário público concursado da EMBASA, cheguei em casa, tomei um banho e fui na reunião da Associação União Rastafári (ABENCULTURAS-Associação Beneficente Cultural e Recreativa União Rastafari).
Por volta das 22h e 30minutos, quando voltava para casa, na Ladeira da Independência, bairro Nazaré, fui abordado por sete cidadãos que não se apresentaram e de forma hostil perguntaram:
Está com os documentos aí?
A bexiga, que já estava muito cheia, apertou ainda mais. Disseram:
Mão na parede!
Respondi:
Preciso mijar.
Virei para a parede abrindo o zíper. Começei a ser agredido fisicamente, me bateram no pescoço e nuca. Respondi com o poder da Palavra, único escudo que o Senhor me permitia no momento:
Me respeitem! Vocês não têm motivos para me agredir fisicamente e a Constituição não lhes dá tal Direito!
Pararam as agressões; consegui a dignidade de poder urinar. Quando terminei, um deles, prontamente, enfiou a sua mão no bolso esquerdo da frente da minha calça, retirando pequena quantidade de Ganjah.
Os sete me arrastaram pelos pés, me deixando de ponta-cabeça. Minhas chaves, carteira com o documentos e o aparelho de telefone celular caíram no chão. Em seguida me colocaram deitado no chão, pisando nos meus pés e na minha cabeça.
No decorrer destas agressividades, eu, utilizando apenas do Poder da Palavra, atingia-os verbalmente citando a nossa Constituição Federal. Disse-lhes que pelo Art. 5°, inciso III- ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante; Que pela Lei 11.343, em seu Art. 28 eles teriam que me conduzir à uma Delegacia para lavrar o Termo Circunstanciado e não ficar me batendo.
Cheguei a dizer-lhes, alertando-os da gravidade de suas condutas:
Olha, lembrem da Ditadura Militar e das agressões físicas e políticas.
Apesar disso, o tratamento não mudou me fazendo entender o sentido real da Palavra pelourinho. (continua…)”
Robson contou que foi conduzido a DELTUR – Delgacia de Proteção ao Turista – no Pelourinho, e continuou sofrendo agressões. Após esses fatos, em 15/01/2009, procurou acionar a Justiça. Inicialmente foi ao Ministério Público do Estado da Bahia, para prestar queixa crime contra as agressões sofridas e o abuso de autoridade. Foi aconselhado no Ministério Público a prestar queixa também na Corregedoria da Polícia Civil e a realizar exame de lesões corporais no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. O exame apontou como lesões ainda presentes, mesmo dois dias depois do ocorrido: equimose arroxeada no braço, e escoriações e edema na face.
Em seguida, procurou a Corregedoria da Polícia Civil da Bahia para prestar queixa por agressão física, tendo sido designada uma audiência para o dia 23/01/2009. Neste dia, compareceu e fez a tentativa de reconhecimento dos agressores, o que não foi possível devido a má qualidade das fotos apresentadas (fotocópias em preto e branco).
Em 6/03/2009, recebeu um mandado de intimação para comparecer ao 1º Juizado Especial Criminal na próxima quarta-feira (29/07), às 10:30, para Audiência Preliminar a respeito do fato de no dito dia 13/01 ter infringido o Art. 28 da Lei 11.343/2006. Nesse caso, ele está sendo considerado “autor do fato” e a vítima em questão é “a sociedade”. Vale lembrar que em processos criminais relacionados com o uso de drogas, a sociedade é considerada vítima porque o usuário é interpretado como alguém que atenta contra a Saúde Pública e a Ordem Pública, entendidos como um Bem Público.
Diante de tudo isso, surge como questões principais:
O que é realmente mais danoso e custoso para a sociedade e o Estado: permitir que um cidadão utilize uma planta considerada Sagrada por ele ou mobilizar diversas instâncias do Estado ao considerar que efetuando esse uso ele cometeu um crime? O cidadão que, apesar de todas as oposições, procura manter sua rotina religiosa, ou o Estado, que utiliza recursos públicos para obstruir direitos fundamentais como: ir i vir, liberdade religiosa e tratamento digno, dentre outros?
Onde e em quais condutas está realmente o atentado à Ordem e Saúde Pública? Nessas circunstâncias: quem é a vítima? A sociedade ou o cidadão Robson? Uma vez que como cidadão, não apresenta em sua conduta nenhum ato que realmente represente um risco à Ordem ou Saúde Pública, sofreu tratamento indigno, foi exposto à situação vexatória e também não teve reconhecida sua identidade religiosa.
Considera-se que houve um atentado a Bem Público. O cidadão ou cidadã brasileira, em sua individualidade, também é um Bem Público? O cerceamento das liberdades e direitos e as agressões físicas sofridas por Robson também devem ser considerados como atentados a um Bem Público.
Essas perguntas fazem refletir a respeito da lei e política sobre drogas e sobre o pleno exercício de nossos direitos. É um caso atual na cidade de Salvador, Estado da Bahia, Brasil. Cada um de nós pode ler este relato de forma cuidadosa ou despretensiosa.
Podemos tirar conclusões sérias que motivem atuações e posicionamentos reais, ou podemos apenas considerar mais um texto informativo sobre a tal “Guerra as Drogas”. Mas, para o cidadão Robson todos os fatos e essas perguntas só serão respondidas de acordo com a interpretação de quem for Julgar-lhe na próxima quarta-feira (29/07), as 10:30. Para ele e para nós, todas as interpretações são válidas e importantes. Mas as únicas que determinarão como será os próximos meses da vida de Roson é a daqueles que o Julgarem.
Oxalá a Justiça seja feita. E para ela, que é cega, não faça diferença a cor da pele, o tipo de cabelo, a crença religiosa e outras características culturais e tradicionais da vida de Robson.
RELATO SOBRE A PRIMEIRA AUDIÊNCIA
Por Luísa Saad, da CIA – Central de Informações ANANDA
Quarta-feira, dia 29 de julho. A primeira audiência de Robson Freitas, marcada para essa data no Juizado Especial Criminal, localizado no bairro e Nazaré, Salvador. Chegamos na repartição, uma lista no balcão relacionava as audiências que aconteceriam nesse dia.
Na sala 002, com início marcado para às 10:30 e término programado para às 10:59, aconteceria a audiência de Robson, o acusado, sendo a vítima a Sociedade, sob o Processo de nº 7522-1/2009.
As funcionárias riam e conversavam atrás do balcão, entre as vozes de um programa matinal na tv. “Eu tô com tanta vontade de trabalhar e o sistema não volta.Taaaanta vontade…” foi o que ouvimos de uma funcionária.
Esperávamos numa ante-sala, eu e membros da União Rastafari, a chamada para a audiência. O advogado de Robson, Marcos Peralta, logo chegou e conferiu os documentos que Robson trazia consigo e deu as últimas instruções.
Ao entrar na sala de audiência, a Promotora de Justiça responsável pelo caso nesse momento, perguntou quem eram as partes e se todos que estavam ali faziam parte do processo. Respondemos que não, mas que gostaríamos de acompanhar a audiência. A resposta foi um semblante de insatisfação, mas ficamos ali mesmo assim.
O advogado começou a apresentar o caso, os detalhes da tortura que Robson havia sofrido antes e depois de chegar à delegacia, mas a Promotora disse que no documento que ela tinha do Ministério Público só constava o porte e apreensão de drogas com Robson, e que a questão da tortura não entraria ali, pois deveria estar correndo em outro processo.
A Promotora, com uma ânsia perceptível em encerrar logo o assunto, disse que de acordo com a Nova Lei de Drogas, Robson deveria ser encaminhado para o CETAD ou CAPS, afim de ter um acompanhamento especializado.
O advogado disse que Robson já participa de trabalhos desse tipo, dentro da ANANDA, mas a Promotora reforçou que ele deveria ser encaminhado para algum desses órgãos do Governo onde ele podesse “abrir a consciência” com relação às drogas. A Promotora frisou que o acusado não era obrigado a aceitar tal medida, podendo aguardar uma próxima audiência.
Em resposta Robson afirmou que aceitaria ser encaminhado para as instituições do governo a fim de acompanhar como está sendo realizado este tipo de encaminhamento, mas enfatizou o seu desejo na continuidade do processo. Robson apontou o uso da planta para fins religiosos, já que faz parte da União Rastafari. A promotora disse que isto não está em questão e enfatizou que o foco do processo é o porte de substâncias ilicitas.
Por fim, o advogado pediu que fossem incorporadas a esse processo as agressões que a vítima sofreu, uma vez que o documento em questão só dizia respeito ao porte de maconha.
Pedimos para fazer umas fotos da audiência, mas a Promotora só permitiu fotos em que ela não aparecesse. Ela assinou o ofício impresso pelo escrivão, levantou-se e saiu da sala, 17 minutos após o início da audiência.
Apesar de ter sido apreendido com a substância em 13 de janeiro de 2009, mais de 6 meses antes da audiência, o Exame Técnico do Instituto Nina Rodrigues responsável por determinar a natureza e quantidade da substância, ainda não disponibilizou o parecer para a Promotoria.
Pela falta de acordo com as propostas da Nova Lei de Drogas e por falta de dados no Processo, a audiência foi suspensa e remarcada para o dia 23 de fevereiro de 2010, às 9:00, no mesmo local.