Entre os últimos dias 1 e 4 de junho ocorreu em Porto Seguro, na Bahia, o maior evento de antropologia da América Latina, a 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. Esse ano a Diretoria da ABA aceitou duas propostas para realização de uma Mesa Redonda e um Grupo de Trabalho para discutir a chamada “questão das drogas”.
Por Bia Labate e Sergio Vidal
No dia 2 de junho, o prof. Edward MacRae, um dos pesquisadores-fundadores do Núcleo Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos – NEIP coordenou a Mesa Redonda: “Controles Formais e Informais do uso de Substâncias Psicoativas”. Nesse dia, dezenas de pessoas lotaram a sala à mesa contou com as exposições dos pesquisadores Thiago Rodrigues (PUC/SP; NEIP), Paulo César Pontes Fraga (UESC), Eduardo Viana Vargas (UFMG; NEIP). Eduardo Vargas sugeriu que devemos ir além de categorias como “substância em si”, “set” e “setting” para pensar a questão das drogas, propondo, a partir da teoria de Bruno Latour, pensarmos o “evento” do uso de drogas a partir de “agenciamentos” e não agentes. Paulo Fraga discutiu a lógica simbólica e material do polígono da maconha, e Thiago Rodrigues traçou uma ampla rede de relações que permitiram o estabelecimento da proibição, analisando também “o êxito desta política de fracassos” (a quem serve e porque se mantém a proibição).
No dia 3 ocorreu o lançamento do livro Religiões Ayahuasqueiras: um balanço bibiográfico, escrito por Bia Labate, Isabel de Rose e Rafael Guimarães dos Santos. No mesmo dia, também foi dado início ao Grupo de Trabalho Substâncias Psicoativas: Cultura e Política, que contou com a exposição de diversos trabalhos sobre o tema, com enfoque no uso religioso de plantas psicoativas, sobretudo nas modalidades ligadas a ayahuasca e a jurema.
No dia 4, ocorreram as duas últimas sessões do GT, com exposições que versaram sobre temas diversos, como o consumo de drogas entre universitários, em festas raves no nordeste, o serviço público de antendimento a dependentes, a nova lei de entorpecentes e os discursos médicos sobre as drogas, entre outros.
Sergio Vidal chamou atenção para a necessidade de uma maior institucionalização do debate sobre drogas dentro da Associação Brasileira de Antropologia e da existência de um diálogo mais efetivo entra a antropologia e outras áreas do conhecimento na tarefa de subsidiar a elaboração de políticas públicas e leis sobre a matéria. O pesquisador lembrou que a discussão sobre drogas não tem feito parte da agenda dos temas das comissões permanentes da ABA. Além disso, destacou o fato de em 2004 a ABA ter recusado o convite para participar do Simpósio Cannabis sativa L. e Substâncias Canabinóides em Medicina e emitir parecer sobre a questão “Deve a Cannabis sativa permanecer na Lista IV da Convenção de 1961?”, chamando atenção de que essa ausência pode ter influenciado na decisão disposta no Decreto 5.912/06 de a vaga para um antropólogo no Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) não seja escolhida através de uma indicação da ABA e sim do Presidente do CONAD, General Jorge Armando Felix, Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Alguns dos temas que têm preocupado os pesquisadores desta área dizem respeito a questões legais e éticas. No primeiro campo, foi destacado o fato de vários pesquisadores da área estarem sendo processados ou ameaçados de sofrerem processo jurídico em função de suas atividades de pesquisa. O segundo conjunto de temas tem a ver com os desafios que investigadores desta área devem enfrentar no seu dia-a-dia de pesquisa, como a dificuldade de obeter “consentimento informado” de seus informantes, como parecerem querer os conselhos de ética médica, as quais no limite inviabilizam a atividade do antropólogo, especialmente aqueles ligados ao estudo de atividades ilícitas.
Esta reunião da ABA foi um momento particularmente profícuo – diríamos, até mesmo, histórico: até onde pudemos investigar foi a primeira vez que a ABA promoveu uma Mesa e um GT sobre psicoativos. Vale lembrar que se os cientistas sociais criticam a excessiva medicalização do debate sobre o uso de substâncias psicoativas na sociedade, o tema das “drogas” é ainda bastante marginalizado dentro das próprias ciências sociais. Aparentemente, isto está começando a se reverter. Que assim seja!
Fontes: Alto das Estrelas e ANANDA