ENTREVISTA: FREDERICK POLAK
Autor: Lis Horta Moriconi
04/12/2007
Em março de 2008, a Comissão de Drogas Narcóticas das Nações Unidas se reunirá em Viena, na Áustria, para fazer uma revisão dos resultados das políticas de drogas aplicadas nos últimos dez anos. Será a primeira vez que a chamada política proibicionista, que estipulou a erradicação das plantações de coca, da cannabis e da papoula não receberá um cheque em branco. Pelo contrário, será avaliada por sua eficiência.
“A ONU se opôs à política de redução de danos com o argumento de que isso facilitaria o uso de drogas, mas existem estudos que provam que não existe esta relação”, explica Frederick Polak, cujos anos de experiência como psicanalista no Serviço Municipal de Saúde do Departamento de Drogas de Amsterdã levaram a defender a política de redução de danos e que estará presente no encontro de Viena.
É também a primeira vez que a teoria de redução de danos será discutida abertamente e seus diferentes defensores terão a chance de defender suas idéias publicamente. Propositores desta política acreditam que uma regulação cuidadosa das drogas causaria menos danos do que a política atual que, ou finge que o uso não existe, ou joga contra os usuários seu aparato draconiano.
Em nome da saúde pública, por exemplo, revistas francesas publicaram conselhos aos usuários de cocaína sugerindo que eles usem “soluções salinas” e “não compartilhem papelotes da droga” para poupar suas vias aéreas superiories. Outro conselho veiculado nas publicações é: “se você tem sangramentos nasais, é sinal que é hora de parar”. A Espanha e a Holanda têm salas para usuários (as narcosalas) onde drogas ilegais podem ter sua pureza avaliada e podem usadas em um ambiente seguro.
Mas o tópico mais controverso nem sempre encontra unanimidade. Entrevistado pelo Comunidade Segura, Federick Polak disse que a reação negativa que teve de alguns interlocutores no Rio de Janeiro não foi surpresa. “Nem na Holanda pode-se dizer que a maioria é a favor da legalização das drogas”, disse o psiquiatra acrescentando que “o encontro de Viena vai lançar também o ‘ano da reflexão’, quando governos e sociedade civil serão convidados a olhar com mais sobriedade o que significa usar drogas em termos de saúde e segurança humanas.”
O senhor mecionou que existem três posicinamentos principais sobre a política de drogas. Quais são?
Existem os que são a favor da redução de danos sem que se mexa na proibição; existem aqueles que acham que a folha de coca e a cannabis devem ser retiradas da lista de plantas proibidas e; finalmente, existem os que consideram que as drogas são perigosas, mas que a proibição é ainda mais prejudicial à sociedade levando, por exemplo, ao crime, e defendem a legalização. O ano de 2008 será um “ano de reflexão” liderado pelas Nações Unidas e dedicado a discussão desses posicionamentos para que em 2009 possamos testemunhar o nascimento de uma nova política em relação às drogas.
Na sua opinião, ensinar as crianças a dizer não às drogas não funciona?
De acordo com estudos recentes, as crianças que participaram do programa Dare nos Estados Unidos, são, na verdade, mais vulneráveis às drogas do que as que não participaram.
Mais e mais drogas parecem estar surgindo e encontrando seu nicho na sociedade. A maconha, a cocaína, a heroína, o ecstasy, etc… Isso não é verdade?
Sim, talvez no geral isso seja verdade. Mas, em alguns casos, não ocorre uma sobreposição de hábitos. Por exemplo, foi relatado que o uso da maconha diminui o consumo de álcool. No entanto, quando os holandeses usuários de cannabis vão para a França (e não podem levar a maconha com eles), a substituem pelo álcool.
O uso das drogas varia muito de país para país. Por exemplo, na Grécia, onde existe o hábito de consumir vinho, o uso da maconha é baixo, enquanto na Itália, onde também existe esse hábito, o consumo de cannabis é alto. Nós não sabemos ainda como contabilizar todas as variáveis.
Dependência significa uma incapacidade?
Ser dependente não significa que o indivídio não é capaz de deixar de usar a droga, mas esse corte é muito difícil. Pode-se gastar muito dinheiro para manter o vício chegando ao ponto de se cometer crimes. Isso pode significar que o indivíduo não se sente feliz sem os momentos de prazer que a droga proporciona e que viver sem isso não tem sentido.
Mas isso não significa que a pessoa esteja impossibilitada no sentido de ser capaz de ter uma vida produtiva. Abraçando a causa da redução de danos, o indivíduo pode ser um usuário de drogas durante toda a sua vida, viver até os 80 anos de idade e morrer por outras causas.
Poderia explicar melhor?
Um exemplo famoso é o médico William Stewart-Halstead, conhecido como pai da cirurgia norte-americana, que viveu até uma idade bastante avançada, foi um grande médico e, no entanto, um usuário secreto de morfina (a morfina é uma droga da família da heroína). Ele usava a droga de maneira controlada.
A legalização da maconha não levou a uma explosão do consumo na Holanda?
As pessoas estão sempre com medo do que pode acontecer depois que uma substância for legalizada, mas no caso da Holanda a legalização não levou a uma explosão do consumo. O consumo na Holanda está na média do consumo dos países europeus e atrás, por exemplo, do Reino Unido. Mas, de novo, a legalização não pode ser confundida com liberdade total. Significa o uso da droga sob controle restrito. Um controle maior do que existe sobre o álcool hoje, por exemplo.
Que tipo de controle?
Na Holanda, um adulto pode comprar pequenas quantidades de cannabis – cinco gramas – para uso próprio e pode consumir a droga em bares. Nós usamos o termo cannabis e não maconha porque a classificação cannabis inclui a maconha e o haxixe.
Por que a proibição faz tanto sucesso como política púiblica?
Os que mais se beneficiam desta política são políticos e policiais que podem alegar que precisam de mais armas, ser treinados em outros países e se colocar como responáveis por tarefas importantes
Até agora, a redução de danos ainda está na teoria. Sua implementação implica em mudanças nas leis internas. Foi o caso da Holanda?
Na Holanda, o progama de redução de danos aplicado à heroína foi criado depois de uma difícil discussão política. Mesmo assim, só é aceita como pesquisa médica. Nós não somos autorizados a prescrever heroína, somente codeína e morfina. Para precrever heroína, precisaremos mudar a legislação. O mesmo acontece na Suíça. Só na Alemanha a legislação foi modificada para ser aplicada a tratamentos de redução de danos.
A Holanda é favorável à política de redução de danos hoje?
Na Holanda existem hoje estudos em andamento sobre a possibilidade de se prescrever anfetaminas e cocaína mas a situação política mudou. Atualmente, dos três partidos políticos, dois são religiosos e, como tal, ingnoram os dados científicos dando preferência ao que eu chamo de argumentos “pseudo-éticos”.
Há psiquiatras que se opõem à legalização das drogas porque tem sempre um percentual da população que é mais vulnerável a psicoses induzidas pelo uso de droga, o que provoca sofrimentos para a vida inteira, qual é sua posição?
Isso é verdade, mas a proibição também não provoca seus próprios males?
Nos Estados Unidos, um forte seguidor da política proibicionaista, existem exemplos dos efeitos destrutivos desta política. O que dizer de todas as pessoas presas por serem pegas com maconha? O que dizer das mães que perdem a custódia dos filhos por mostrar sinais de uso da maconha? Estudantes pegos fumando maconha, por exemplo, podem perder a elegibilidade para bolsas de estudos. Isso levou a diversas organizações chegarem à conclusão que esse tipo de dano não pode mais continuar. Entre elas estão Estudantes por Políticas de Sensibilização às Drogas, Drug Sense e a Leap (policiais contra a proibição), só para citar algumas.
Sobre as drogas em si, por que a redução de danos começou com a heroína?
As autoridades de saúde se interessaram pela redução de danos quando foi descoberto que os dependentes da heroína estavam disseminando a aids através do uso de seringas contaminadas. Esse foi um importante marco, quando foi decidido colocar a ciência em primeiro lugar.
Mas o escopo da redução de danos é muito limitada. Se aplica à heroína e à cannabis. E quanto à cocaína. por exemplo?
Tem um pequeno estudo sendo realizado em Zurique, na Alemanha, que aborda a possibilidade da redução de danos para usuários de cocaína. Mas o fato é que, apesar de os envolvidos afirmarem ter resultados positivos e o coordenador do estudo ter sido aconselhado a ampliá-lo, durou pouco. Foi suspenso por pressões políticas. Existem informações disponíveis sobre o estudo, mas na Alemanha.
O senhor mencionou que as atitudes podem mudar dentro de um mesmo país.
Sim. Na Alemanha, por exemplo, nos anos 60, quando o uso de drogas estava associado a classe média e a cultura hippie, foi tolerado. Recentemente, quando a droga passou a ser associada com os imigrantes, a pessoas com menos mobilidade social, com os excluídos, a atitude em geral foi de intolerância, mais repressão e, como resultado, mais violência.
O que o senhor diria sobre um país grande como o Brasil, com um segmento inteiro da população vivendo em condições adversas, marginalizada?
Não existem estudos sobre isso. Eu me interessaria em saber.