30.01.2014
Cristiano Avila Maronna, Advogado associado ao IDDD, mestre e doutor em direito penal pela USP, 2º vice-presidente do IBCCRIM,membro da Rede pense Livre: por uma política de drogas que funcione
Samy Abud Yoshima, administrador de empresas pela FGV-EAESP e mestre em economia pela FGV-EPGE/R
A guerra às drogas, que se apoia no paradigma proibicionista, fracassou miseravelmente. Nunca as drogas ilegais foram tão abundantes, tão baratas, tão acessíveis e tão potentes quanto hoje. Além de não ter sido capaz de suprimir oferta e demanda de psicoativos, a proibição produziu violência, corrupção e encarceramento em massa.
Dentre as diversas substâncias capazes de alterar a consciência ordinária que foram proscritas, a maconha se destaca por ser a droga ilegal mais consumida no planeta. De acordo com o Relatório Anual sobre Drogas de 2013 do Escritório da ONU para Drogas e Crime (UNODC), 180 milhões de pessoas fazem uso da erva.
Não por acaso, as experiências reguladoras mais importantes nesse campo tiveram a maconha como objeto: a tolerância com o consumo em coffeshops, na Holanda, em meados dos anos 1970; a prescrição medicinal na Califórnia, autorizada a partir da decisão proferida pelo juiz Francis L. Young de Orange County, em 1988 (e que se espalhou por mais 20 estados americanos); a criação dos clubes sociais canábicos no País Basco, na Espanha, na década de 1990.
A despeito dessas iniciativas inovadoras, nada se compara ao que ocorreu nos anos de 2012, quando os cidadãos do Colorado e de Washington, nos EUA, aprovaram, via plebiscito, a regulação do consumo recreativo de maconha, nos moldes do que ocorre com álcool e tabaco, e de 2013, ocasião em que o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a tornar legal a produção, o comércio e o consumo de marijuana.
Grosso modo, é possível afirmar que o modelo uruguaio se caracteriza pelo controle estatal, enquanto nos EUA há uma orientação mais afinada com os ideais do livre mercado. A seguir, as principais características de cada um desses novos experimentos sociais.
Colorado
Por intermédio do Departamento do Tesouro, o governo editou código regulatório permitindo a produção e comercialização de maconha recreativa para maiores de 21 anos1. A regulação define as condições adequadas para o licenciamento e funcionamento de produtores, distribuidores e varejistas, para o plantio (infraestrutura mínima dos jardins, uso de fertilizantes, pesticidas, lavagem do substrato, método de colheita e cura/secagem, despejo de efluentes e resíduos, máximo número de plantas, etc.), para plantio caseiro (máximo de seis pés da planta), para o armazenamento, para a industrialização de derivados farmacêuticos e alimentares, para o transporte entre jardins e estabelecimentos de vendas no varejo, para as embalagens e rótulos do varejo, para o controle e segurança de qualidade, de potência e de estoque, para a propaganda e marketing, etc., além das punições e sanções para aqueles que não atenderem as condições descritas.
Na maior parte dos condados do Colorado (alguns decidiram não permitir a venda de maconha recreativa), os residentes podem comprar até no máximo uma onça por visita a cada varejista. Os não-residentes podem comprar até no máximo sete gramas de flores secas. Também é possível adquirir produtos comestíveis e cosméticos feitos a base de cannabis sativa.
O consumo em locais públicos é proibido, assim como em hotéis. Cada pessoa tem o direito de plantar até 6 plantas adultas em casa.
Washington
No estado de Washington, a regulação2 da maconha recreacional ficou a cargo do “Liquor Control Board”, órgão que controla a comercialização e a taxação de bebidas alcoólicas e produtos tabagísticos. Foram criadas três figuras jurídicas no processo de produção e comercialização de maconha recreativa: o produtor (que planta a erva), o processador (que transforma o produto in natura em produtos comestíveis, óleos, extratos, etc) e o varejista.
Em cada transação, incide uma carga tributária no valor de 25%. Não é permitido experimentar nem cheirar o produto na loja, sendo necessário sair dela para abrir a embalagem, que deve ser segura e de difícil acesso para menores. Todos os agentes necessitam de licença para operar.
O cultivo caseiro foi proibido, ao menos por ora, para evitar vendas irregulares e facilitar o controle da produção. Não há ainda definição para os limites de venda para residentes e não-residentes. O consumo em locais públicos será proibido, de modo semelhante ao que ocorre com bebidas alcoólicas e o descumprimento desta regra ensejará uma multa, mas não autorizará prisão.
Em Washington, a regulação só entra em vigor no dia 6 de dezembro de 2014. Até lá, o porte de maconha continua ilegal, muito embora a prioridade para esse tipo de situação, de acordo com a diretiva governamental, seja mínima.
Uruguai
Em 2013, com o empenho do Presidente José “Pepe” Mujica, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a regular o mercado de maconha, após votação apertada no Senado (16 votos a favor e 13 contra) e a despeito de pesquisas indicarem que menos de 1/3 da população uruguaia era favorável à aprovação da lei.
No Uruguai, o Estado assumirá o controle e a regulação das atividades de importação, exportação, plantio, cultivo, colheita, produção, aquisição a qualquer título, armazenamento, comercialização e distribuição de cannabis sativa e seus derivados, ou cânhamo.
A lei tem por objetivo direto proteger a saúde pública da população através de uma política orientada a minimizar os riscos e reduzir os danos do consumo de cannabis. Para tanto, planeja-se a promoção de programas e projetos capazes de difundir a adequada informação, educação e prevenção sobre as consequências e efeitos prejudiciais associados com o consumo, assim como o tratamento, reabilitação e reinserção social dos usuários problemáticos de drogas.
A partir de 2014, haverá três formas de obtenção de cannabis, cada uma com suas respectivas restrições:
a) O plantio, o cultivo e a colheita domésticos, destinados ao consumo pessoal ou compartilhado no domicílio, de até seis plantas. O Poder Executivo regulamentará os mecanismos de acesso às sementes. O registro de cultivo será requisito indispensável;
b) O plantio, o cultivo e a colheita por clubes controlados pelo IRCCA, os quais deverão ter um mínimo de quinze e um máximo de quarenta e cinco sócios. Poder-se-á plantar um máximo de noventa e nove plantas e como produto da colheita será permitido um armazenamento máximo anual proporcional ao número de sócios;
c) Outorga a farmácias, pelo IRRCA. A lei ainda estabelece que a venda de cannabis para consumo pessoal deverá ser registrada, com a identificação dos usuários. A venda de cannabis não poderá superar quarenta gramas mensais por usuário;
Proíbe-se toda forma de publicidade, publicidade indireta, promoção, auspício ou patrocínio dos produtos de cannabis e por quaisquer dos diversos meios de comunicação.
Serão realizadas campanhas educativas, publicitárias e de difusão e conscientização para a população em geral a respeito dos riscos, efeitos e potenciais danos do uso de drogas.
Os menores de 18 (dezoito) anos de idade e incapazes não poderão ter acesso à maconha. O consumo em locais públicos é proibido.
Considerações conclusivas
Em 2016, será realizada uma Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas (UNGASS), a fim de que os tratados e convenções internacionais que hoje dão suporte ao proibicionismo sejam revistos.
A manutenção do consenso a respeito da guerra às drogas torna-se cada dia mais difícil, como revelou o jornal britânico The Guardian3, o que sugere possibilidade concreta de mudança no rumo da política de drogas global no curto prazo.
As experiências no Colorado, em Washington e muito especialmente no Uruguai, serão minuciosamente avaliadas, especialmente no que diz com os níveis de consumo, o aumento ou diminuição de casos problemáticos, o impacto na saúde pública.
Nada obstante, há que se elogiar a coragem daqueles que ousaram abandonar o falido paradigma proibicionista, na busca da construção de uma política de drogas justa, humana e eficaz.